Por quê um ato é involuntário

Do VI° Livro das ENÉADAS - Oitava parte

Vontade e Liberdade do Uno

Claudio Simeoni
traduzido por Dante Lioi Filho

Primera parte: comentário à ideologia neoplatônica

Home page Plotino

 

Plotino diz ao se perguntar acerca da vontade na ação:

"Ou deve-se concordar com a onipotência e com o arbítrio de todas as coisas como sendo apenas do Uno, enquanto, para os outros deuses, alguns se comportam como nós, outros pelo hábito de que venham lá de cima e outros acreditam em ambos os modos?"

É importante notar como a relevância de todo o discurso realizado por Plotino parte da ação do Ser Humano, e como ele difunde tais ações e conceitos ao universo inteiro até que, imaginando o Uno, imagina-o exatamente como ele compreende o Ser Humano perfeitíssimo, no interior da sua razão. Para Plotino a involuntariedade de um ato depende do conhecimento e do discernimento de que o executor do ato insere, na sua decisão, a realização do ato. O que escapa de Plotino não é tanto o discernimento e o conhecimento do ato que torna este mesmo ato voluntário ou involuntário, mas é a decisão subjetiva de concretizar tal ato independentemente da consciência e do discernimento que são empregados para manifestar o próprio ato. O fato de que na fundação da decisão de praticar uma ação há ou não o conhecimento, esse nada trunca a voluntariedade na execução do ato, ao contrário pode diminuir as responsabilidades subjetivas e morais de quem executa um ato. Explico melhor. O ato é o fruto de uma ação da vontade subjetiva. A finalidade do ato é fornecida pelas necessidades, pelos desejos e pelos objetivos do sujeito. A responsabilidade moral ou jurídica está vinculada às intenções e ao conhecimento do sujeito que produz o ato. Todas estas coisas devem ser divididas para a construção de um juízo que seja inerente ao Uno. Se eu afirmo que o Uno tem responsabilidades morais, significa que eu construí um sistema de pensamento ou um sistema de referência, padrão, com o qual imputo ao uno as responsabilidades morais. O mesmo vale para os DEUSES. Fornecido um sistema padrão posso conceder os valores, as estimativas. Coisa diferente é se eu me relaciono com os sujeitos que nada têm de humano e que respondem às tensões e necessidades próprias.

O problema de Plotino, na sua elaboração da voluntariedade do ato, parte de uma posição a priori que engaiola o pensamento dele e consequentemente a sua possibilidade para elaborar:

"É necessário examinar tudo isto; e também devemos ter a coragem para estudar este problema primeiramente nos seres e Naquele que está acima de tudo: como, em outras palavras, cada coisa depende Dele, inclusive que já concordamos que Ele tudo pode."

Essa é a arapuca a priori na qual Plotino é capturado e dela não saberá mais liberar-se. A afirmação em si mesma é fruto do Condicionamento educacional recebido, e é projeção ao infinito da sua própria perfeição. Nessa operação, Plotino se torna o todo, o absoluto que passa a exercer a sua própria vontade sem nenhum vínculo de forma, e sem limites de espaço e tempo.

Partindo desse pressuposto, ele considera o ato voluntário e involuntário não como produto da presença da vontade pelo menos, mas como presença do conhecimento. O conhecimento determina se o ato é ou não voluntário. Seguramente, um tribunal agiria do mesmo modo quando aplicaria uma pena a um acusado culpado por uma determinada ação. E o tribunal se identificaria no uno cuja vontade, em relação ao acusado, é absoluta.

O problema, deste capítulo, é o de estabelecer quais são as condições para que um ato não seja voluntário!

A vontade gera o ato, mas o ato pode não ser gerado pela vontade!

E é exatamente isto que escapa de Plotino no seu raciocínio.

De fato, se as Autoconsciências vêm a Ser pelo ato de vontade do Uno, então não pode ser atribuído às Autoconsciências o que elas vieram a ser. Se o Uno exerce a vontade de gerar, não pode ser atribuída ao gerado a vontade pelo fato de existir.

A Autoconsciência, que vem a ser, assim o faz sem ter desenvolvido um ato de vontade, mas sofreu o ato de vontade de alguém ou de qualquer coisa. O fato de vir a ser se torna um ato involuntário ou, mais precisamente, um ato acidental. A Autoconsciência percebe existir e naquele momento, respondendo às suas tensões próprias, continua manifestando-se expandindo-se. A involuntariedade passa a se tornar as ações sofridas pelo sujeito sem que este tenha ação em tais eventos. Isto independentemente do Conhecimento e do Discernimento do sujeito. Tornam-se todas ações voluntárias apenas no caso de o sujeito usar a sua vontade própria, para introduzir os fenômenos na objetividade em que ele vive. Podemos dizer que a água executa um ato involuntário fluindo da montanha e indo em direção ao mar enquanto a força, que age no seu percurso, que hoje temos conhecimento dela e que a denominamos de gravidade. O movimento da água é involuntário porquanto a voluntariedade do ato reside num objeto externo.

O problema que deve ser solucionado, neste ponto, se torna um ato de "vontade" do Uno!

Temos visto como Plotino coloca, na base do seu raciocínio particular, uma condição que não é demonstrada e não pode ser demonstrada. Precisamente porque não é demonstrada e não pode ser demonstrada ele chama, em seu socorro, todos os seus ouvintes: "inclusive já concordamos que Ele tudo pode!"

O Uno de Plotino é o Uno que exerce a vontade própria sem impedimentos: exatamente como Plotino faria se Plotino fosse o Uno! O problema fundamental é que o Uno de que Plotino fala é desguarnecido de VONTADE!

O Uno apreendido como o TODO, veremos em seguida, não manifesta vontade, mas manifesta NECESSIDADE! A NECESSIDADE manifestada pelo Uno é trocada, por Plotino, como sendo VONTADE porque Plotino se projeta no Uno. Não termos um Uno no início do Universo, mas temos um Plotino que pensa nele mesmo como sendo o Uno!

Desse modo duas coisas diferentes, como NECESSIDADE e VONTADE tornam-se a mesma coisa para o Plotino, que se tornou o próprio Uno.

Com essa operação torna-se totalmente lógico o exemplo do assassínio do objeto e do discernimento, que é executado no final do preciso capítulo. A consciência do objeto assassinado (seu pai o mata) trunca a vontade do ato. Trata-se de um exemplo de natureza jurídica e não um exemplo de natureza filosófica. Efetivamente, desse modo é como funciona um julgamento no tribunal: só que não é desse modo que a coisa funciona perante a vida!

Do Uno o presente é gerado. Conforme Plotino, existiriam atos de vontade do Uno. Na realidade são manifestações de NECESSIDADE do Uno. O Uno não é matéria indistinta, isto é, confusa! O Uno não é algo de indescritível. O Uno é composto de uma "propriedade", de uma característica que é capaz de transformar-se. Algo que está em condições de passar de um estado de inconsciência a uma situação de consciência. O Uno não está consciente dele próprio e, portanto, não é portador de vontade! O Uno é uma qualidade que é eficaz para transferir-se do inconsciente ao consciente, e eu posso remontar ao seu estado de inconsciência. É a NECESSIDADE presente no Uno que gera o intrínseco do Uno, como Autoconsciência, que exerce a sua VONTADE. O complexo, o conjunto das VONTADES dos sujeitos que germinam pelo efeito de NECESSIDADE, no Uno, transformam a quantidade (NECESSIDADE) em qualidade (VONTADE) dentro de um processo de transformação, que inclusive mantendo na base a NECESSIDADE que produziu tal qualidade, processo esse que é caracterizado pelo uso da VONTADE que exercem os sujeitos singulares, que vieram a ser e assim exercem a VONTADE. Torna-se importante, dentro da visão de Hesíodo, a foice dentada construída por Gaia para os seus filhos! GAIA é o Uno! É a substância inconsciente da qual se separam as consciências. As consciências separam-se do incônscio e se expandem usando a foice dentada que adquiriram germinando no interior do inconsciente

O vir a ser dos sujeitos é o único ato que consideramos involuntário. Todos os outros são atos voluntários pois, a despeito de o sujeito os suportar, com eles executa as próprias adaptações. E, sobre a exposição das adaptações do Ser, podemos começar a expor sobre Conhecimento e Discernimento.

Plotino diz:

"Que ideia temos, portanto, quando falamos do nosso livre-arbítrio, e por quê indagamos acerca dele? Eu penso que é por causa das sortes adversas que nos afligem e pelos constrangimentos, e pelos impulsos violentos passionais que dominam a nossa alma;..."

De fato, neste ponto podemos afrontar o conceito do Livre-Arbítrio. O Livre-Arbítrio que deve ser admitido para as Autoconsciências, mas não para o Uno.

O que Plotino, no seu tempo, não era capaz de captar? Não era capaz de captar as transformações ocorridas que, na sua espécie, ocorrem em milhões de anos. Não era capaz de perceber a si próprio enquanto enfrentava a vida. Todavia, tinha esse desejo! Desejava ser um Plotino que se movesse no espaço, sem nenhum obstáculo, ao infinito. A sua razão projetada num infinito: ou então, que ele pudesse escolher entre se alimentar e não se alimentar! Mas que esquisitório de Livre-Arbítrio é esse? Vocês pretendem que o Livre-Arbítrio seja proveniente de alguém que, com um toque de varinha mágica, possa fazer surgir as galáxias, envia as pragas ao Egito ou ainda abre caminho nas águas do mar?

É o Livre-Arbítrio do que somos e do que construímos! É o Livre-Arbítrio o que a nossa espécie construiu, durante milhões de anos! É o Livre-Arbítrio de Telo e Hélio, Hera e Zeus, dentro dos quais nós, Seres Humanos, exercitamos o livre-arbítrio por isto que somos e por aquilo que pretendemos construir ainda!

 

N.B. As citações de Plotino são extraídas da tradução de Giuseppe Faggian - ed. Bompiani!

Redigido em Marghera aos 23 de julho de 2001

 

Home page Plotino

 

A tradução foi publicada 10.01.2018

Aqui você pode encontrar a versão original em italiano

 

 

 

Claudio Simeoni

Mecânico

Aprendiz Stregone

Guardião do Anticristo

e-mail: claudiosimeoni@libero.it

 

O neoplatonismo em plotino

A ideologia neoplatônica é a mãe ideológica do cristianismo. O pai ideológico é o hebraísmo. O cristianismo não nasceu das "pregações de Jesus", mas de uma elaboração ideológica dos neoplatônicos para pôr fim à corrente messiânica e apocalíptica, que estava colocando em risco a sociedade romana. Como frequentemente tem acontecido, tal remédio pode ser mais destruidor do que o próprio mal.